Opinião
13/09/2010 - 20h 00min
FESTA LITERÁRIA DE MARECHAL DEODORO - ALAGOAS
Líbano Montesanti Calil Atallah
Ao
convite de Maria Luiza Russo, diretora da Biblioteca Estadual de Maceió, eu
viajei a Alagoas para proferir palestra neste magnífico evento.
Esperava chegar lá e ver muitas coisas que se divulga aqui no sul sobre o nosso
nordeste pitoresco. Eu vi, mas não podia esperar tanta união e trabalho em
uníssono para chegar a um resultado tão importante que é o sucesso estrondoso
de um evento cultural literário.
Os organizadores levaram manifestações culturais, das mais diversas, em todos
os cantos da cidade de Marechal Deodoro, para que todo pais e o mundo pudessem
aprender que não se devem poupar esforços diante da defasagem cultural que vive
o povo brasileiro.
Interessante notar a coragem do prefeito Cristiano Matheus e de seu secretário
Carlito Lima, em hora tão difícil, pois o momento histórico dificulta qualquer
atitude para implantar projetos, ainda mais de cunho cultural, prestarem-se de
bom grado a essa tarefa, para favorecer seu povo.
Maria Luiza Russo era a pessoa chave disso tudo, pois coordenou com talento e
simplicidade todo o exigente pessoal. Não a vi em nenhum momento perder
energia, ou se estressar por ter tanto serviço e responsabilidade sob sua
eficaz batuta.
Tomou decisões, mudou procedimento, tudo com muita maestria, rigor e humor.
Lá estava eu, da tão longínqua São Paulo para falar de livros raros. Levei
comigo exemplares de obras literárias ilustradas por artistas de primeiro nip.
Estive com muita honra sob a orientação desta talentosa senhora, sem em nenhum
momento, sentir por parte da assoberbada coordenadora, qualquer sobreposição a
minha desencontrada figura. Muito pelo contrário, obtive dela todo respeito e
admiração, apoio e reconhecimento pelo que eu levava comigo, inclusive no
caráter.
Apresentei a palestra BIBLIÓFILO APRENDIZ, lembrando a figura do maior
bibliófilo brasileiro e pioneiro nesta área, por aqui terra tupiniquim, o
conceituado RUBENS BORBA DE MORAIS, autor de obras básicas sobre o assunto e
que ocupou o cargo de diretor da Biblioteca da ONU. Eu o conheci ainda menino,
quando por muitas vezes esteve em conferência com meu pai
Mais tarde seu acervo contribuiria para compor o de José Mindlin.
Palestra:
BIBLIÓFILO APRENDIZ
Meu nome é Líbano Calil, estou aqui para falar de um assunto sui generis, tanto
é raro encontrar interessados como conhecedores ou colecionadores.
Bibliofilia vem do grego, biblon é livro e philia, amor ao livro. Não é estudo
da Bíblia. Este é também um livro. Para meu entendimento, quer dizer estudo do
livro, ou como funciona este intrincado instrumento do saber. Estudar,
colecionar e preservar o livro raro ou não. Já é raro quem o faça, por isso
precisamos aprender a reconhecê-lo. É muito material precioso que relegamos e
que acabam em alguma lata de lixo ou em depósito de sucata para desmanche.
Claro! A humanidade se vê livre então de um documentário, ou de preciosas obras
de arte, literária ou gráfica. Seus autores, com toda certeza, não nos
proporcionaram seu talento impresso esperando de nós o descaso. Sem contar o
que valem contados em dinheiro. Óbvio! Precisamos aprender a ver e depois a
apreciá-lo.
O bibliófilo é um expert, pode: avaliar, restaurar, encadernar, arquivar e
preservar o livro. É um herói a serviço da cultura: resgata, edita ou guarda um
material que não ostenta, mas consulta e lê. Documenta seu saber. Observa-se
que isso no futuro será essencial, ou se prova onde aprendeu, ou não tem
solidez à afirmação. Lendo adquirimos o espírito do autor.
Vejamos por exemplo, esse exemplar da obra de Enock Sacramento intitulado René
Lefèvre, publicado pelo empresário e colecionador Mauro Zolko.
Esse senhor, que adquiriu um grande acervo das obras de René, ainda em época
que ela vivia, resolveu por bem catalogar a obra da artista, para em futuro
breve evitar fraudes envolvendo o nome dela, pois seus quadros; como já estava
previsto, passariam valer altas somas.
Observemos, então que estamos diante de uma edição bibliográfica. Logo de
inicio esse livro vem bem protegido dentro de um estojo que envolve o exemplar,
inclusive as margens que ficam voltadas para dentro do mesmo estojo, deixando a
mostra apenas a lombada, onde podemos apenas identificar a obra, caso ela
esteja em uma estante lotada.
Ao retirarmos a obra de dentro do estojo, notamos que sua excelente cartonagem
(capa cartonada), não é encadernação, é capa dura e vem protegida com
riquíssima sobre capa, em pesado papel Couchê Fosco. Notamos que ao soltarmos
essa segunda proteção e em seguida abrindo-a, teremos a impressão, nesta peça,
de uma bela paisagem reproduzida de um quadro de autoria da artista,
rigorosamente selecionada, para não deixar nenhuma dúvida de que a caprichosa
edição é realmente bibliográfica.
Ao vermos em seguida a cartonagem verificamos o mesmo esmero.
Em seguida podemos examinar que os cadernos impressos com o texto e as
ilustrações, também cuidadosamente diagramados, se vêm envolvidos em guardas de
papel bem fosco azul marinho, que contrasta com a cor branca e com o leve
brilho do papel da impressão. A guarda tem esse nome porque guarda os cadernos
costurados que formam o bloco do livro. Ela também dá o acabamento das costas
de ambas às capas, dianteira e posterior.
Passemos a folhear o livro: a primeira página de dentro da obra é a que
chamamos de Pré- Rosto, normalmente fora da numeração, esta traz impresso
apenas o título do livro, e também nos ínsita a adentrarmos a obra. Já na
página seguinte temos o Rosto, Frontispício ou Portada da obra. Aqui está
impresso o nome do autor, no centro superior, já no centro da mesma página
estão o título e o subtítulo. No centro inferior vem impresso o nome do
logradouro onde foi confeccionada a edição, abaixo o da editora não raras vezes
com seu endereço e finalmente a data da edição. Isso é elementar, mas não se
generaliza.
Nesta obra a diagramação não nos permite visualizar seu Frontispício como é na
maioria dos livros. Este se apresenta com um frontispício bastante estilizado.
Temos no livro, muitas vezes após a Portada, ou até no final da obra, depois do
texto, o que chamamos de Kolophon, que funciona como a identidade do livro ali
está documentado tudo sobre o mesmo livro, como: Tipo de papel, quem imprimiu;
quem editou; quem patrocinou; o nome dos ilustradores, a quantidade de
exemplares que compõem a edição, número do exemplar e muitas vezes o nome do
proprietário, isso quando a obra é Ad-personam, etc.
Quero que vejam a Portada Monumental desta obra ilustrada por Gustavo Doré, é
um clássico e traz estampada uma gravura, impressa a partir de chapa de
madeira. O autor do trabalho de gravação não é do ilustrador, mas sim de um dos
maiores do mundo. Toda a equipe de Doré era reconhecida por serem primorosos
artistas.
Observemos essa obra de Samuel Coleridge, intitulada Vieux Marin editada em
Paris em MDCCCXXVII.
O estado deplorável em que a apresento aos presentes. Por pouco seu
ex-proprietário não a joga no lixo. Toda manchada, acidificada. Com a
encadernação luxuosa gravada com ouro e ferro frio, desmontada, ralada, as
guardas soltas. O caderno da obra só existe depois do Frontispício. Isso é para
vermos como não se despreza uma obra tão rica. É álbum composto com, perto de,
uma centena de xilografias e pouco texto. São; cada uma dessas peças, obra
cobiçada. Quando em mãos de inescrupulosos, viram uma porção de quadros. São,
contudo muito valiosos. A partir daí podemos concluir que se trata de obra
extremamente rara, por estar ainda completa. Apesar de seu estado. É passiva de
restauração, mas até o momento acredito ser mais útil assim, enquanto posso
mostrá-la, em palestras como esta e que o desleixo é coisa escabrosa e produto
de ignorância.
Depois do Kolophon, quando este vem no inicio da obra temos o índice ou
sumário; que é a relação dos temas, que o autor desenvolve e a ordem em estão
classificadas nos cadernos. Esse instrumento é para ajudar o leitor, a
localizar o que procura dentro da obra e ao mesmo tempo, avaliar seu interesse
antes de adquiri-la.
Continuando a paginação ou folheando o livro temos em seguida o Prólogo,
Apresentação ou Prefácio, que funciona como se fosse um apresentador provocando
o interesse do expectador, para que esse consuma no bojo do programa, o que lhe
é oferecido.
A obra de Enock Sacramento é um exemplo típico de uma edição bem cuidada, de
bom gosto e que foi feita para abrilhantar qualquer acervo, mais
principalmente, daqueles que se utilizam deste tipo de obra, para informar-se
antes de adquirir um quadro, neste caso de René Lefèvre.
Na palestra tive que intercalar tema para fazer o público, poder bem avaliar o
que é Página de Rosto.
Mostrei in-loco um livro do autor Honoré de Balzac, intitulado La Fille Aux Yeux
D?Or. Essa obra magnífica impressa sobre papel japonês Velin Imperial,
ilustrada com Pointes Sèches de Jean Serrière, coloridas a pouchoirs, foi
dedicada não mais que a Eugène Delacroix Le peintre francese. Nota-se, contudo
que sua aparência inicial é extremamente simples, apenas quando passamos a
folheá-la é que nos deparamos com seu conteúdo, feito para gostos exclusivos e
requintados.
Não perdi a oportunidade de mostrar e com detalhes, a obra de Claudius
Ptolemaeus, datada de MDLXVI, completa, no original e ainda com capa em couro
não nato, de cabra, o pergaminho. Mostrei o mapa do Brasil e afirmei que era o
primeiro mapa impresso sobre o Brasil, em papel de linho. Não é bem a verdade,
o primeiro vem acoplado dentro da obra de G. B. Ramusio de MDLIV, mas os dois
mapas são idênticos, então deixei passar, principalmente para aguçar a
curiosidade do publico. Depois muitos quiseram manusear o pergaminho.
Afirmei que em mãos de antiquários também inescrupulosos esse exemplar teria
sido desfeito, por causa dos altos preços, que as cartas (mapas) que o compõem
alcançam nos grandes leilões europeus de artes. O que torna esse exemplar
extremamente raro. Saliento que essa obra compõe parte de nosso acervo de
quinze mil livros raros. Legado de meu pai, conceituado bibliófilo, que me
ensinou a nobre arte.
Por ultimo apresentei o livro de Ferdinand Diniz, Le Brèsil, publicado em Paris
no ano de MDCCCXXXVII, ilustrado com as afamadas gravuras que retratam o Brasil
em época que ainda era colônia. Lembram-se daqueles viajantes que para cá
vinham a fim de documentar nossa terra e depois mostrar as imagens aqui
colhidas aos estupefatos europeus, que acreditavam estar diante do mais exótico
de todos os lugares do mundo? As mesmas gravurinhas que aprendemos a valorizar,
pois a maioria dos livros didáticos as traz como ilustrações, que todos nós
apreciamos. Já é nosso costume reconhecê-las. Só que desta vez as vemos em
suíte completa e no próprio estado original.
Líbano Montesanti Calil Atallah
Palestrante